Estar a tomar café numa esplanada em Braga e ver passar o Antony na sua bicicleta é algo que chama a atenção de qualquer pessoa. E quem conhece o Antony sabe o porquê. Vê-lo passar na sua bicicleta de 1942 é algo que não se vê todos os dias. É percetível que este ciclista sente-se bem naquele quadro e que, enquanto pedala, sente-se feliz. Isso fica claro, principalmente quando o ouvimos assobiar.
Quem vê alguém a pedalar com aquela calma e alegria percebe logo que o Antony tem uma história para contar. E a verdade é que o Antony nasceu “mesmo por cima das bicicletas”. Em contrapartida, só aprendeu a andar de bicicleta quando já era avô. Mas comecemos pelo início…
As origens importam
Uma maçã nunca cai muito longe da árvore. Isto calça que nem uma luva no caso do Antony. “O meu pai foi ciclista no Académico do Porto e mais tarde trabalhou como mecânico de manutenção da equipa de ciclismo do Porto. Mas, numa etapa entre Porto e Águeda, teve uma queda terrível e partiu os maxilares, a clavícula e algumas costelas”.
Este contratempo levou o pai do Antony a dedicar-se à manutenção de bicicletas e, mais tarde, a abrir uma loja de bicicletas em Braga. “Enquanto andava à procura na zona da Sé, encontrou um prédio com um anúncio: “Aluga-se”. Ele bateu à porta e uma senhora veio ver o que se passava. Ele lá explicou. A senhora não queria nada de restaurantes nem bares porque seriam barulhentos, mas aceitou as bicicletas”.
Depois de ajustarem o preço, o pai do Antony lá ficou com a loja. Ainda assim, a vida tem coincidências engraçadas. Passado uns tempos, o pai do Antony não só ficou com a loja, como também ganhou uma esposa: a senhora que lhe alugava a loja. “E nasci eu. Portanto, posso dizer que nasci mesmo em cima das bicicletas, porque a casa era no andar de cima da loja”.
Isso deixa-nos logo a pensar: como é que o filho de um ciclista que participou numa Volta a Portugal, só aprende a pedalar tão tarde? Bem, naquele tempo uma bicicleta era um objeto de luxo e o Antony teve de se contentar com um triciclo. A vida foi andando e o Antony acabou por ir viver uns tempos para a Holanda e para a Dinamarca. “E fiquei apaixonado por aquela qualidade de vida! Quando chegar a Braga, vou comprar uma bicicleta!”
A realidade portuguesa
O certo é que em Braga encontrou outra realidade. “Isto parecia uma selva. Este pessoal não está para aturar bicicletas e não há condições para bicicletas. E desisti. Mas como morava no centro da cidade, tinha tudo aqui perto”.
O que o Antony não contava é que o seu filho lhe mudasse as voltas. “O meu filho foi pai e decidiu comprar um apartamento ali perto do Parque da Rodovia”. Não querendo ser avô à distância, o Antony mudou-se para junto do filho, mas acabou por perder a mobilidade que tinha quando estava no centro da cidade.
“Não podia ser assim. Ir de carro para o centro era um pesadelo. Por isso, só havia uma solução: voltar às origens. Comprei uma bicicleta, que nem velocidades tinha porque eu não percebia nada daquilo. Até a levei a pé para casa, porque não sabia andar. Veja bem que um filho de um ciclista nem sabia andar de bicicleta. É um contrassenso”.
Aos poucos, lá se foi aventurando, começando por treinar na garagem da sua casa, sobre o olhar atento dos netos que, ora tentam ajudar o avô a andar, ora riam-se com as quedas que ia dando. O certo é que ao fim de algumas semanas, com algumas “medalhas” no corpo e bolhas nas mãos, lá conseguiu. “E foi uma alegria tremenda! Eu tenho mais de 150 viagens de avião. Dei a volta ao mundo! Sou maratonista, fiz 1000 quilómetro em maratona! Fiz imensas viagens de carro, de comboio, até já andei de submarino… Mas nenhum transporte me fez tão feliz como a bicicleta. É o único que me faz assobiar. É sentimento de liberdade, de felicidade mas também de regresso à infância”.
Hoje, o Antony já tem 5 bicicletas. Nunca estava satisfeito com o que tinha e foi comprando coisas diferentes. Mas nenhuma lhe dá tanto prazer como a clássica que tem. “É de 1942. Tem um estilo holandês, lindo! Está com a pintura original, tem travões de alavanca, não tem velocidades, trava com contra pedal… Quando passo toda a gente olha para a bicicleta”.
Braga é ciclável?
E será que Braga lhe dá as condições para pedalar? “Quando me vêm com a desculpa que Braga tem subidas, até me dá vontade de rir. Isto é quase plano. Aqui o centro é Amesterdão, só falta a brisa do mar. É uma mentira do preguiçoso. “Hoje não que está a chover, amanhã não que joga o Benfica, para a semana não dá que estou constipado”. Braga tem condições ideais para andar de bicicleta e para ser ciclável. A bicicleta torna as bicicletas mais bonitas”.
Contudo, apesar de defender a necessidade de mudar mentalidades, existe um trabalho que tem de começar no Município para dar mais condições aos ciclistas. “O município tem de ter uma atitude revolucionária no sentido de mudança. E tem de criar condições para que Braga se torne numa cidade mais ecológica e ciclável. As ciclovias que temos são perigosas e nem merecem esse nome. Esta cidade merece!”.